A
Tertúlia de Madina Mandinga
José
Graça Gaipo
Recordar, é ter presente na memória,
os nossos momentos que hoje fazem história. É ter sentido de fazer conhecer aos
nossos (filhos, netos e família), como passávamos os tempos, as horas, os dias,
as semanas e os meses num país e num lugar, que a nossa memória aos poucos vai
deixando de registar.
Hoje, os tempos são outros, a
tecnologia e a ciência fizeram ultrapassar muitas coisas, até mesmo o
conhecimento, a mentalidade e o relacionamento das pessoas.
Em Madina Mandinga, dada a situação
local geográfica, era de todo impossível adquirir em suporte de papel, qualquer
meio informativo de ocasião diária, semanal ou quinzenal, e em que muitos de
nós, pudéssemos desfrutar de notícias e informações de utilidade em geral.
A expectativa de receberem notícias
era notória da parte do maralhal, que em silêncio, e bem atentos à chegada da
coluna do correio, estavam prontos à chamada nominativa para receberem os
célebres aerogramas ”correspondência gratuita, de cor amarela parda”.
Depois da correspondência na sua
posse, recolhiam às casernas ou lugares habituais, para em silêncio e de olhos
bem fitos no papel e sem qualquer olhar ou perturbação alheia, saborearem a
leitura da(s) sua(s) missiva(s).
Cá fora, e do lado da secretaria que
confinava com a caserna e os balneários, estava sempre em horário
adequado e em tempo combinado, o trio/quinteto que na minha memória registei e
denominei de tertúlia, que por norma trajavam vestes habituais: - calção verde
tropa curto, botas de couro ou de lona, e por vezes óculos escuros, com cigarro
a arder por entre os dedos.
Para lhes dar um certo ar de presença,
por vezes usavam um tipo vara pequena, apelativa de um movimento rotativo ou de
enrolamento com os dedos, enquanto falavam de diversificados assuntos de ordem
privada ou de natureza pública.
Normalmente, e em movimento rotativo
da cabeça, miravam de alto a baixo ou olhavam de soslaio, a(s) o(s) transeunte(s)
passeante(s), em direcção a ambos os lados da via, direita/esquerda.
Sem conhecer o programa de cada
momento da tertúlia, depreendia com alguma curiosidade que a temática da
conversa diária, seria interessante e diversa, e sempre com assunto em novelo, intercalada
de contos de fadas crescidas, histórias adultas, leituras de revistas fora do
prazo, mas com assuntos interessantes e actualizados para o meio, etc., etc.,
etc., que, por sua vez ocasionavam as mais diversas interpretações deixando de
lado, talvez, as anedotas, mas o facto é que lá sorriam e gracejavam com uso de
gargalhada aberta e divertida.
Hoje, ao recordar aqueles momentos,
em lugar e espaço desenquadrado dos demais escolhidos pelas tertúlias de vilas
e cidades culturais, pois eles, nem tinham sala, eram desprovidos de ambiente
próprio que, nem disponham de mobiliário adequado, sem cadeira, sem mesas, onde
pudessem poisar um copo de whisky com gelo e água perrier, ou uma chávena de
café bem negro e amargo, pois o espaço era exíguo e estreito, um simples
passeio de rua, mas que se apropriava para uma passagem de tempo de análise e
de variadas situações de vida ou momentos quotidianos de orla positiva ou menos
boa.
Quem de perto lá passava, cruzava
olhares àquela rotina que nem se atrevia em indagar o que quer que fosse, para
não interromper ou dificultar a fluidez da conversa ou acontecimento passado.
Causou-me alguma estranheza em todo
o tempo que lá andei, e a minha percepção na altura era, de que, momentos
culturais e oportunos nunca tivessem motivado com algum entusiasmo e determinação
a tertúlia, que por norma, a um canto da mesa se punham, sem perceberem e sem entenderem
a minha mensagem.
Sei, que em muitos momentos,
terminada a minha palestra cantante me diziam:
- gostei de ouvir, mesmo assim - mas dita com expressão de que não
teria convencido nada com o meu canto de palavra interventiva.
Algo mingou de certeza, de uma parte
ou da outra, ou de ambas. O circuito da comunicação não funcionou. A mensagem,
ou não chegou a ser emitida e em boas condições, ou não foi captada como devia.
É isto o que sucede na maioria das vezes, na transmissão da mensagem
pretendida.
Para a maior parte da malta, fui
actor e não mensageiro. Cumpri o meu número de programa solicitado, mas não
devo ter deixado nada de novo nem motivador.
Fizera-me ouvir, mas não escutar, na
medida em que ouvir é questão de som, mas escutar é afanosa procura da ideia
através do som ou, até mesmo, do ruído.
Foi esta a impressão com que fiquei
depois dos muitos momentos culturais. “Gostei de ouvir… mas não convenceu”.
Recordamos com saudades esses
momentos culturais e alguma coisa ficou. Sabemos que ainda hoje, em todos os
encontros/convívios, ao encerrar a confraternização é cantado, por todos, o Hino
da Companhia.
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