A frase que serve de título a este episódio foi dita por um caçador que se cortou.
Esta historieta desenrolou-se nos já distantes anos de 1973/74, anos em que as nossas vidas eram vividas, vivendo. Algumas no autêntico outras em "resorts", aliás como nós a 1ª Cart do Bart 6523 em Madina Mandinga, leste da Guiné-Bissau.
Já começa a ser lugar comum dizer o quanto estávamos bem instalados em comparação com a maioria dos outros militares, dadas as circunstâncias da altura e na situação que nos encontrávamos inseridos, zona de guerra.
Mas sendo verdade, não a podemos nem devemos escamotear para que a verdade seja dita e para que possa ser lembrada. Não pelo que elas valem, mas pelo que elas significam e me fazem recordar, pois às vezes fico tanto tempo sozinho a recordar, que a solidão e recordações, deixam de ser ausência para ser companhia.
Mas sendo verdade, não a podemos nem devemos escamotear para que a verdade seja dita e para que possa ser lembrada. Não pelo que elas valem, mas pelo que elas significam e me fazem recordar, pois às vezes fico tanto tempo sozinho a recordar, que a solidão e recordações, deixam de ser ausência para ser companhia.
Um aparte: - vejam o quanto o grande chefe da tabanca, o régulo Costa teria de pagar pela minha escrita se ela fosse paga por palavras, era manga dele. Este introito à história que vou relatar está cheio de palavras que mais não são, como se diz na gíria, para encher chouriço, para ter assunto e encher a página.
Como dizia no início, a dita história tem como protagonista um caçador nativo de nome Mamadu Saná, que costumava acompanhar o nosso 1º Guerra nas suas caçadas nocturnas.
Certa noite, ouve-se um grande rebuliço na cozinha da messe. Fomos a correr ver e deparamos com uma grande gazela que foi morta pelos ditos caçadores. Começou o desmanche e o nativo com grande habilidade e sabedoria, cortava aqui, cortava acolá, com a sua afiada catana que, qual lâmina assassina, estava ávida de sangue humano e então num momento de distração do Mamadu, num golpe certeiro e traiçoeiro, apanha-lhe um dedo que quase fica decepado. O sangue borrifa tudo e todos. Todos ficamos aflitos e consternados com este acidente. Para nosso espanto e admiração só ouvíamos o Mamadu dizer "fodissi mi cortei".
Grande alvoroço, pois o Mamadu perdia muito sangue. Alertados os serviços médicos locais logo corre em seu socorro o grande Pastilhas, o Furriel Patrício que, com grande mestria e coadjuvado por um dos seus homens, puxando dos seus galões de Dr., faz uma grande compressa embebida em álcool puro que põe em cima do dedo quase decepado, para estancar o sangue.
O Mamadu quase fica branco, mas na sua bravura, não dá um piu, aguentando estoicamente o tratamento de choque dado pelo pastilhas.
Feita a desinfeção seguiu-se a fase da cosedura do dito dedo quase decepado. Como não há anestesia, o nosso Pastilhas, que não brinca em serviço, não hesita em coser o dedo a sangue frio. Um ponto aqui, um ponto acolá, qual bordado mal feito, o nosso caçador Mamadu sempre sem tugir um queixume, mas com uma cara de sofrimento que nos arrepiava a todos.
Finda a cosedura, e após ter bebido "um Fanta", o caçador lá recomeçou o desmanche da dita gazela, que no dia seguinte proporcionou um petisco de primeira.
Epílogo da história, o dedo ficou no sitio, cumprindo a função para que nasceu. O homem foi salvo de uma incapacidade parcial para uma situação de estabilidade funcional quase a 100%, graças à capacidade e sangue frio do Pastilhas e da sua equipa de enfermeiros, que muito zelosamente olhavam pela nossa saúde e também das populações.
Caros Camarigos, por hoje é tudo. De vez em quando lá me lembro destes pequenos episódios que faziam parte do nosso dia a dia em Madina Mandinga e que tento passar para o nosso Blogue, para que os vindouros saibam o que foi a nossa vivência em terras africanas e para colmatar as saudades de todos vós, pois a distância pode impedir um abraço, mas nunca vai impedir a nossa Amizade.
Fiquem bem, um bem haja.
Monteiro (manhiça)