quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

"MANGA DI CORTI - MANGA DI SANGUE"

A frase que serve de título a este episódio foi dita por um caçador que se cortou.
Esta historieta desenrolou-se nos já distantes anos de 1973/74, anos em que as nossas vidas eram vividas, vivendo. Algumas no autêntico outras em "resorts", aliás como nós a 1ª Cart do Bart 6523 em Madina Mandinga, leste da Guiné-Bissau.
Já começa a ser lugar comum dizer o quanto estávamos bem instalados em comparação com a maioria dos outros militares, dadas as circunstâncias da altura e na situação que nos encontrávamos inseridos, zona de guerra.
Mas sendo verdade, não a podemos nem devemos escamotear para que a verdade seja dita e para que possa ser lembrada. Não pelo que elas valem, mas pelo que elas significam e me fazem recordar, pois às vezes fico tanto tempo sozinho a recordar, que a solidão e recordações, deixam de ser ausência para ser companhia.
Um aparte: - vejam o quanto o grande chefe da tabanca, o régulo Costa teria de pagar pela minha escrita se ela fosse paga por palavras, era manga dele. Este introito à história que vou relatar está cheio de palavras que mais não são, como se diz na gíria,  para encher chouriço, para ter assunto e encher a página.
Como dizia no início, a dita história tem como protagonista um caçador nativo de nome Mamadu Saná, que costumava acompanhar o nosso 1º Guerra nas suas caçadas nocturnas.
Certa noite, ouve-se um grande rebuliço na cozinha da messe. Fomos a correr ver e  deparamos com uma grande gazela que foi morta pelos ditos caçadores. Começou o desmanche e o nativo com grande habilidade e sabedoria, cortava aqui, cortava acolá, com a sua afiada catana que, qual lâmina assassina, estava ávida de sangue humano e então num momento de distração do Mamadu, num golpe certeiro e traiçoeiro, apanha-lhe um dedo que quase fica decepado. O sangue borrifa tudo e todos. Todos ficamos aflitos e consternados com este acidente. Para nosso espanto e admiração só ouvíamos o Mamadu dizer "fodissi mi cortei".
Grande alvoroço, pois o Mamadu perdia muito sangue. Alertados os serviços médicos locais logo corre em seu socorro o grande Pastilhas,  o Furriel Patrício que, com grande mestria e coadjuvado por um dos seus homens, puxando dos seus galões de Dr., faz uma grande compressa embebida em álcool puro que põe em cima do dedo quase decepado, para estancar o sangue.
O Mamadu quase fica branco, mas na sua bravura, não dá um piu, aguentando estoicamente o tratamento de choque dado pelo pastilhas.
Feita a desinfeção seguiu-se a fase da cosedura do dito dedo quase decepado. Como não há anestesia, o nosso Pastilhas, que não brinca em serviço, não hesita em coser o dedo a sangue frio. Um ponto aqui, um ponto acolá, qual bordado mal feito, o nosso caçador Mamadu sempre sem tugir um queixume, mas com uma cara de sofrimento que nos arrepiava a todos. 
 
Finda a cosedura, e após ter bebido "um Fanta", o caçador lá recomeçou o desmanche da dita gazela, que no dia seguinte proporcionou um petisco de primeira.
Epílogo da história, o dedo ficou no sitio, cumprindo a função para que nasceu. O homem foi salvo de uma incapacidade parcial para uma situação de estabilidade funcional quase a 100%, graças à capacidade e sangue frio do Pastilhas e da sua equipa de enfermeiros, que muito zelosamente olhavam pela nossa saúde e também das populações.
Caros Camarigos, por hoje é tudo. De vez em quando lá me lembro destes pequenos episódios que faziam parte do nosso dia a dia em Madina Mandinga e que tento passar para o nosso Blogue, para que os vindouros saibam o que foi a nossa vivência em terras africanas e para colmatar as saudades de todos vós, pois a distância pode impedir um abraço, mas nunca vai impedir a nossa Amizade.
Fiquem bem, um bem haja.
Monteiro (manhiça)

2 comentários:

  1. Olá Monteiro. Ora cá está um texto que me encheu as medidas! Não só pelo conteúdo mas também pela foto da enfermaria que finalmente deu um ar da sua graça, pois muito se tem falado dela e dos enfermeiros, mas nem aparece no esquema que encabeça o nosso blogue... Qualquer dia vou enviar-te um texto que relatará um episódio idêntico ao do caçador, passado entre o Sousa padeiro (de Cinfães) e eu que até lhe propus, cortar o dedo e era assunto arrumado!!! Um abraço

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    1. ò Freitas, os meus escritos, alguns romanceados, não são mais do que uma chamada de atenção aos Camarigos de Madina para eles me escreverem episódios que tenham em memória e espelhem as nossas andanças por terras de africa. Quando tiveres algo dá um toque para se escrever. um abraço.

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