terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Madina Mandinga-Dia de Natal 1973



25 de Dezembro de 1973
O Meu Natal
 por José Graça Gaipo
A ceia de natal ou consoada havia terminado.
A meia-noite, com a sua escuridão e sem brilho inóspito, despertou sem cantos natalícios, sem anúncios instrumentais sonoros, sem anjos, sem pastores e sem algazarras festivas.
Nos campanários, os sinos, não soaram seus repicos especiais e festivos para a tradicional festividade.
Tudo estava distante sem cor, sem brilho e som. O movimento da noite parou para dar lugar ao escuro do silêncio que cada um e à sua maneira guardou na arca do seu coração.
O silêncio  quebrou o tempo de espera e abriu o tesouro que o coração tinha guardado, para então, expor o seu natal.
A caserna, estava escurecida ao claro som de uma pequena chama remetida a um canto para evitar, na distância nocturna, qualquer atenção que fora do tempo retirasse ao meu pensamento a tranquilidade necessária à reposição do meu natal com presépio, pastores e Reis magos.

Assim, e em lugar recatado, a um canto do meu quarto, havia preparado o meu cadeirão feito de rijas tiras de palmeira, comprado a um nativo que o havia feito. Decorei-o com dois bonitos e emaranhados panos de tradição  africana. predispondo-me ao convite para, comodamente, sentar-me e passar a noite mais esperada em terras da Guiné.
Bem recostado no silêncio da noite, de olhos abertos e, semi-cerrados de vez em quando, reflectia sobre aquele que seria o meu  natal, sem presépio e isento de figuras.
Sentado, imaginava e cantava no interior de mim mesmo as melodias de Natal, carregadas de mensagens e de sentimentos que a tradição nunca apagou nem apagará o meu imaginário de vivências natalícias.

Contemplando os posters de cartolina branca, executados com singelos e simples traços a negro, debruado a vermelho, colados a uma pequena e improvisada estante de parede, onde reproduziam ou assinalavam motivos de mensagem invocatória de “Boas Festas e Feliz Natal”.
Ao meu imaginário, faltava a minha construção criativa, o ambiente próprio, o presépio que, desde menino em minha casa, preparava de feição com a minha mãe e irmãos, e que mais tarde, já adulto, ficou à minha responsabilidade.

Naquela noite, a quietude assolava o meu coração que questionava as muitas e supostas interrogativas que, o tempo proporcionava na rotina das minhas tradições e vivências natalícias.
 
 [o meu presépio na minha casa da ilha]
Será, que na ilha e em casa, a minha ausência não deu lugar ao meu presépio?
Será,  que as luzes e a árvore de natal, foram recostadas  e deixaram de ter lugar?
Será, que hoje, e nesta noite  de natal, não brindaram a mijinha do Menino, em casa da família e amigos?
E neste interrogar de coisas e lembranças, sempre a ocupar o meu espaço espiritual,  passei  ao silêncio, a cantarolar o que do mais belo canto e encanto musical natalício,  me fazia enriquecer, desenhando no meu espaço imaginário,  o lugar à construção de um fundo escuro, sobressaindo uma tosca janela sem esquadria, de fingidos vidros, pincelados de azul e estrelas reluzentes e brilhantes, reflectindo a luz em seus  umbrais, coloridos e pintados de tons quentes, de contornos terra, que os tornavam relevantes e expressivos de arte, antecedido e ornamentado por um pórtico  desalinhado e tosco, onde estariam dispostas, as figuras  principais e representativas, recriando em formato de quadro, um género de fresco, como que retratando um cenário, da noite, em Belém de Judá.

Como elemento decorativo, não poderia faltar a célebre cidade de Belém, cartonada em tons  e tamanhos proporcionados às personagens figurativas imaginadas, fazendo sobressair os animais como elementos indispensáveis ao ambiente de um estábulo que acolheu a família de Nazaré.
O chão do presépio, ornamentado de ervilhaca, milho, trigo, alpista e outros cereais que, por tradição , são semeados em pequenos recipientes de barro, em véspera de Santa Luzia, dia 12 de Dezembro, para que na noite de natal, se mostrem viçosos e orvalhados de pequenas gotas de água transparentes que, colocados ou dispostos em espaços assimétricos, recrie com alguma beleza natural, o símbolo da vida, e no brilho da noite, a pequena chama intercalar de pequenos lampadários  alimentados por uma acendalha de pavio, sobre o azeite.
Como foi diferente a minha noite de natal, que na distância teve um lugar e um nascimento diferente dos muitos passados em seio familiar.
No escuro da noite, a ausência do luzeiro astro teimava em esconder a sua luz para que  não brilhasse aos olhos do coração humano.

Em cada um de nós, um sentimento novo e saudoso nasceu, não em estábulo, mas   num aquartelamento rodeado de arame farpado, com focos de luz, direccionados para o exterior, na intenção de encandear possíveis visitantes nocturnos, inimigos  inesperados, cheios de forças bélicas.
A noite de natal, avançava, sossegada e desprovida de sobressaltos.
O despontar da aurora,  fazia aproximar o despertar  do dia, em que o brilho da luz solar, de novo voltava na sua rotina intensa para clarear  e aquecer o solo de Madina Mandinga.
Suas gentes, com rostos alegres, intencionados de gestos e desejos de felicitações, Boas Festas, trajavam  aperaltados em vistosas roupagens de há muito guardadas  para um momento muito especial, “o Tempo do Natal”.

O novo dia, pareceu diferente em muitos aspectos, mas muito igual nos formalismos de responsabilidade  diária, atribuído de maior sentido e cuidado de alerta a perigos  vários e  de intervenção inesperada.
A atmosfera local, parecia aromática e festiva, mas nos rostos, os olhares traziam  alguma apreensão de saudosismo, colocando o pensamento à distância numa atitude de espera, qual prenda de natal, não recebida em tempo certo, viesse preencher o vazio da Noite Feliz, sem pinheirinho de natal, despido de coloridos e graciosos ornamentos.
Na minha contemplação imaginária, os cânticos natalícios, circundavam em velocidade o mesmo espírito, onde as várias melodias se sobreponham e, de forma especial, as mais tradicionais “Adeste Fideles, Noite Feliz, Brilhou na Noite Escura, Noite Gelada Menino”, etc....
De boca cerrada e em silêncio, de olhos lacrimosos e fixos no imaginário, foram entoadas as mais diversas harmonias, cada uma, esperando a tonalidade da sua mensagem.
O Canto natalício, preencheu o meu vazio da noite e dia de Natal, na espera do novo ano, que a todos trouxesse a Paz há muito tempo invocada e desejada pela humanidade, e que o ciclo do natal, tivesse a sua continuidade com a celebração da festa da Epifania, ou dos Reis, e finalizar com as estrelas, o ciclo natalício, em que o profeta Semião, ao tomar o Menino Deus em suas mãos, pronunciou:
Senhor, hoje, os meus olhos viram a Salvação.

1 comentário:

  1. É com um misto de alegria e saudade que li o escrito do Gaipo. Acreditem que tudo o que se passou e ele relata estava bloqueado nas minhas memórias. Obrigado Gaipo. Aqui está um exemplo de um escrito que nos avivam as memórias.

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