25 de Dezembro de 1973
O Meu Natal
por José Graça Gaipo
A ceia de natal ou consoada havia terminado.
A meia-noite, com a sua escuridão e sem brilho inóspito,
despertou sem cantos natalícios, sem anúncios instrumentais sonoros, sem anjos,
sem pastores e sem algazarras festivas.
Nos campanários, os sinos, não soaram seus repicos especiais e
festivos para a tradicional festividade.
Tudo estava distante sem cor, sem brilho e som. O movimento da
noite parou para dar lugar ao escuro do silêncio que cada um e à sua maneira
guardou na arca do seu coração.
O silêncio quebrou o
tempo de espera e abriu o tesouro que o coração tinha guardado, para então, expor o seu natal.
A caserna, estava escurecida ao claro som de uma pequena chama
remetida a um canto para evitar, na distância nocturna, qualquer atenção que
fora do tempo retirasse ao meu pensamento a tranquilidade necessária à reposição
do meu natal com presépio, pastores e Reis magos.
Assim, e em lugar recatado, a um canto do meu quarto, havia
preparado o meu cadeirão feito de rijas tiras de palmeira, comprado a um nativo
que o havia feito. Decorei-o com dois bonitos e emaranhados panos de
tradição africana. predispondo-me ao
convite para, comodamente, sentar-me e passar a noite mais esperada em terras
da Guiné.
Bem recostado no silêncio da noite, de olhos abertos e,
semi-cerrados de vez em quando, reflectia sobre aquele que seria o meu natal, sem presépio e isento de figuras.
Sentado, imaginava e cantava no interior de mim mesmo as
melodias de Natal, carregadas de mensagens e de sentimentos que a tradição
nunca apagou nem apagará o meu imaginário de vivências natalícias.
Contemplando os posters de cartolina branca, executados com
singelos e simples traços a negro, debruado a vermelho, colados a uma pequena e
improvisada estante de parede, onde reproduziam ou assinalavam motivos de
mensagem invocatória de “Boas Festas e Feliz Natal”.
Ao meu imaginário, faltava a minha construção criativa, o
ambiente próprio, o presépio que, desde menino em minha casa, preparava de
feição com a minha mãe e irmãos, e que mais tarde, já adulto, ficou à minha
responsabilidade.
Naquela noite, a quietude assolava o meu coração que
questionava as muitas e supostas interrogativas que, o tempo proporcionava na
rotina das minhas tradições e vivências natalícias.
[o meu presépio na minha casa da ilha]
Será, que na ilha e em casa, a minha ausência não deu lugar ao
meu presépio?
Será, que as luzes e a
árvore de natal, foram recostadas e
deixaram de ter lugar?
Será, que hoje, e nesta noite
de natal, não brindaram a mijinha do Menino, em casa da família e
amigos?
E neste interrogar de coisas e lembranças, sempre a ocupar o
meu espaço espiritual, passei ao silêncio, a cantarolar o que do mais belo
canto e encanto musical natalício, me
fazia enriquecer, desenhando no meu espaço imaginário, o lugar à construção de um fundo escuro,
sobressaindo uma tosca janela sem esquadria, de fingidos vidros, pincelados de
azul e estrelas reluzentes e brilhantes, reflectindo a luz em seus umbrais, coloridos e pintados de tons
quentes, de contornos terra, que os tornavam relevantes e expressivos de arte,
antecedido e ornamentado por um pórtico
desalinhado e tosco, onde estariam dispostas, as figuras principais e representativas, recriando em
formato de quadro, um género de fresco, como que retratando um cenário, da
noite, em Belém de Judá.
Como elemento decorativo, não poderia faltar a célebre cidade
de Belém, cartonada em tons e tamanhos
proporcionados às personagens figurativas imaginadas, fazendo sobressair os
animais como elementos indispensáveis ao ambiente de um estábulo que acolheu a
família de Nazaré.
O chão do presépio, ornamentado de ervilhaca, milho, trigo,
alpista e outros cereais que, por tradição , são semeados em pequenos
recipientes de barro, em véspera de Santa Luzia, dia 12 de Dezembro, para que
na noite de natal, se mostrem viçosos e orvalhados de pequenas gotas de água
transparentes que, colocados ou dispostos em espaços assimétricos, recrie com
alguma beleza natural, o símbolo da vida, e no brilho da noite, a pequena chama
intercalar de pequenos lampadários alimentados
por uma acendalha de pavio, sobre o azeite.
Como foi diferente a minha noite de natal, que na distância
teve um lugar e um nascimento diferente dos muitos passados em seio familiar.
No escuro da noite, a ausência do luzeiro astro teimava em esconder a sua luz para que não brilhasse
aos olhos do coração humano.
Em cada um de nós, um sentimento novo e saudoso nasceu, não em
estábulo, mas num aquartelamento
rodeado de arame farpado, com focos de luz, direccionados para o exterior, na
intenção de encandear possíveis visitantes nocturnos, inimigos inesperados, cheios de forças bélicas.
A noite de natal, avançava, sossegada e desprovida de
sobressaltos.
O despontar da aurora,
fazia aproximar o despertar do dia,
em que o brilho da luz solar, de novo voltava na sua rotina intensa para
clarear e aquecer o solo de Madina
Mandinga.
Suas gentes, com rostos alegres, intencionados de gestos e
desejos de felicitações, Boas Festas, trajavam
aperaltados em vistosas roupagens de há muito guardadas para um momento muito especial, “o Tempo do
Natal”.
O novo dia, pareceu diferente em muitos aspectos, mas muito
igual nos formalismos de responsabilidade
diária, atribuído de maior sentido e cuidado de alerta a perigos vários e
de intervenção inesperada.
A atmosfera local, parecia aromática e festiva, mas nos
rostos, os olhares traziam alguma
apreensão de saudosismo, colocando o pensamento à distância numa atitude de
espera, qual prenda de natal, não recebida em tempo certo, viesse preencher o
vazio da Noite Feliz, sem pinheirinho de natal, despido de coloridos e
graciosos ornamentos.
Na minha contemplação imaginária, os cânticos natalícios,
circundavam em velocidade o mesmo espírito, onde as várias melodias se
sobreponham e, de forma especial, as mais tradicionais “Adeste Fideles, Noite
Feliz, Brilhou na Noite Escura, Noite Gelada Menino”, etc....
De boca cerrada e em silêncio, de olhos lacrimosos e fixos no
imaginário, foram entoadas as mais diversas harmonias, cada uma, esperando a
tonalidade da sua mensagem.
O Canto natalício, preencheu o meu vazio da noite e dia de
Natal, na espera do novo ano, que a todos trouxesse a Paz há muito tempo
invocada e desejada pela humanidade, e que o ciclo do natal, tivesse a sua
continuidade com a celebração da festa da Epifania, ou dos Reis, e finalizar
com as estrelas, o ciclo natalício, em que o profeta Semião, ao tomar o Menino
Deus em suas mãos, pronunciou:
Senhor, hoje, os meus olhos viram a Salvação.
É com um misto de alegria e saudade que li o escrito do Gaipo. Acreditem que tudo o que se passou e ele relata estava bloqueado nas minhas memórias. Obrigado Gaipo. Aqui está um exemplo de um escrito que nos avivam as memórias.
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