segunda-feira, 28 de abril de 2014

Que a mansão eterna de Deus, o repouse, na ala da paz


por José Graça Gaipo
A notícia foi curta e breve, mas escurecida de alguma dor quando, os amigos partem deixando a saudade das muitas coisas que a vida humana teceu ao longo de um tempo, que, não pára a sua rotação.
Falar dos amigos enquanto vivos, é sempre bom. É testemunhar actos humanos, é descortinar e recordar nos tempos (o presente e o passado), aquilo que a sua capacidade intelectual, foi capaz de criar no bom sentido, de forma a tornar os actos atraentes e sem qualquer condicionalismo.
Falar de Fernando Brito, mais conhecido por “Tio Brito, tracto familiar”, como de filhos se tratassem naquela conjuntura de tempo e ambiente de guerra, transporta-nos a todos, reconhecer a figura destacável que ele foi, como Homem, Pai de família, como cidadão na linha ética e intelectual, e também como profissional na conduta do cumprimento dos deveres e direitos, ao longo da sua carreira militar.
Como Homem e Pai, foi sempre digno de merecedor respeito, embora a sua condição profissional por onde enveredara, e na distância africana, mantinha sempre presente na sua mente, a família e os filhos. Falava deles, com brilho não só nos olhos, mas também nos lábios e na forma como os ditava ou soletrava seus nomes, com um sorriso aberto de bendizer, criando neles um estado de viver alegre.
Como amigo, soube sempre conjugar e distinguir a linha humana da profissional, mantendo uma conduta de diálogo, um sabedor ouvinte de olhos fitos naqueles que escutava, como que a ler o interior do outro, um conselheiro experiente, onde se podia depositar confiança, acolhedor de amizades, onde a sua visão, respondia sempre numa linguagem amiga e carinhosa numa perspectiva de longo prazo, revelando sempre uma atitude e predisposição de pai, que escuta e acolhe o filho para o aconselhar e dar um rumo que lhe garantisse uma possível sobrevivência humana e realização pessoal.
Como cidadão ético, primava pela assertividade das coisas e dos factos, procurando a simplicidade sem dificultar fosse o que fosse. Tinha um coração sempre aberto e disposto a uma coragem de enfrentar por vezes artimanhas de gestos e atitudes de jogos menos positivos. Era muito prudente, com uma visão que por vezes não lhe era tolerável competir com o que sonhara. Era cuidadoso em tudo que projectava, e com facilidade lia bem nos contornos, linguagens e interpretava raciocínios, gestos e atitudes menos correctas.
Era perspicaz e persistente nas suas ideias e decisões, procurando sempre dentro dos possíveis e razoáveis limites conseguir objectivos planificados e em ordem ao bem comum da comunidade militar de Madina Mandinga.
Como profissional, era um homem competente, procurando saber sempre relacionar a atitude e forma profissional no campo da acção, para que, o ser e estar na vida, não deixasse dúvidas quanto ao cumprimento dos deveres e obrigações militares, como profissional do quadro.
Como amigo, de todos e em particular, cada um e cada qual, poderá ajuizar o que as consciências ditarem, mas tenho a certeza e não dúvidas, de que foi na maioria das vezes, um amigo com nome de Pai. Era um amigo digno de ser ouvido e respeitado, independentemente do seu grau na função militar e de profissional.
Recordá-lo quotidianamente, não é um favor, é um sentimento carinhoso que todos, o devemos, porque ele foi o caminheiro indicador de muitas situações, apelando sempre ao bem-estar das nossas vidas, que nada nos faltasse em tempos de tanta hostilidade bélica.
Ele, era uma rocha firme em quem se confiava de mão aberta e em quem podíamos falar, desabafar coisas e lousas desde o particular ao geral de nossas vidas e atitudes.
Estamos em tempo próprio de pensar um pouco mais nele, Tio Brito,  que, recentemente nos deixou e, decerto que, seu espírito descansa na ala da Paz, onde os mortos, são os vivos da Nova Páscoa, da Ressurreição em Cristo.
É tempo de dizermos e de anunciarmos, a quem quer que seja, que vamos por todos os caminhos, onde não há rotundas nem cruzamentos, mas sim direccionados num sentido, o da grande amizade, e que ela “amizade” habite sempre em nós, independentemente do tempo e do lugar, do sofrimento ou tristeza em que nos encontremos, mas que a firmeza da alegria nos faça viver caminhando.
Ao grande caminheiro que esteve connosco, lado a lado em terra africana, Guiné, apetece-me dedicar-lhe este belo poema, escrito na década de 1968-1970, sem qualquer previsão do 25 de Abril.
     Vão por todos os caminhos
1-Vão por todos os caminhos
    os irmãos injustiçados
    que transformaram a vida
    na beleza duma flor
    com a mensagem do Senhor, Aleluia!

   Também vão os torturados
   os mendigos e os poetas
   as crianças desgarradas
   e os suspensos pela dor,
   com a mensagem do Senhor, Aleluia!
           Coro
           E clamam os Homens
           este canto de louvor;
           Coro de caridade,
           Evangelho do Amor- Aleluia! Aleluia! Aleluia!

2-Vão por todos os caminhos
   os irmãos da nossa porta
   que nos trazem um sorriso
   feito de Paz e Amor,
   É a mensagem do Senhor, Aleluia!

   Os soldados, que despidos
  das armas e das fardas,
  trazem  flores trazem pão
- um fruto do seu suor,
  É a mensagem do Senhor, Aleluia.
                                                         (Texto de A. Oliveira)
Nota: Este poema, pertenceu e pertence à Missa da Esperança, que foi cantada clandestinamente à porta fechada, na Igreja da Calhete, Ilha de S. Jorge, para que a PIDE, não nos surpreendesse, pois estávamos em missão de acampamento e diversão cultural sócio religiosa, em Agosto.

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