sábado, 9 de agosto de 2014

RECORDAÇÕES - CUMERÉ 1973

"O tempo passa, só não leva o que os nossos corações guarda"
Faz este mês de Agosto 41 anos, em que por estes dias, já tínhamos quase um mês de Guiné. Éramos uns "Piriquitos" na gíria militar.
Tudo se passou tão rápido que volvidos todos estes anos, há coisas que ainda hoje pensamos como eram possíveis. Não sei, talvez a nossa juventude a isso nos induzia.
Por estas alturas, estávamos a fazer o I A O. Começávamos a conhecer as gentes da Guiné, os seus costumes, o seu clima, enfim o espírito de guerra começava a entranhar-se em nós.
Os dias eram passados em instrução e aos fins de semana era um ver se te avias para arranjar boleia o mais cedo possível até Bissau, para aí sim desfrutar de todos os prazeres que se nos ofereciam e que passavam por vários itens.
 Por toda a cidade de Bissau só se viam rapazinhos branquinhos e com os camuflados ainda a cheirar a novo. Era só água de colónia e perfumes pacholi, visto que era o que de melhor tínhamos para pensar que não estávamos lá.
Por todo o lado eram só grupos e mais grupos, amigos e conhecidos, piriquitos e velhinhos, aramistas e operacionais. Eram invejas com o pessoal do ar condicionado e os andarilhos dos que só sabiam conviver com as micoses e os mosquitos. Os janotas que só sabiam da guerra pelos boletins informativos, mas passados momentos e após umas Bazucas (cervejas) acompanhadas de camarões e ostras, tudo passava.
Avenida principal de Bissau - 1973
A vinda até Bissau, também tinha outro ritual ou seja, a iniciação ao bairro da má fama PILÃO, local de prazeres fugazes, onde o maralhal ia descarregar toda a sua energia e testarona que a pujança da nossa juventude nos apoquentava e afligia.
Antes do anoitecer os restaurantes e cafés voltavam a encher-se de pessoal, pois se os prazeres carnais estavam saciados, os emocionais só com os vapores etílicos de umas cervejolas ou um vinhito se dissipavam e atenuavam. Aí sim a alegria e camaradagem tudo dava lugar às festas e brincadeiras inerentes à nossa juventude.
Há episódios que nos marcaram e então este pobre escrita tem um passado, na primeira pessoa, que é hilariante.
Estava eu, um fim de tarde, sentado num passeio lá no Cumeré, fumando um cigarro fiel companheiro de tantas horas e angústias, com o pensamento na mulher amada e no querido filho, sentindo as lágrimas rolando pelo rosto, provando o doce salgado da saudade, quando reparo num soldado que vem em minha direção. Perante mim, pergunta-me como estou, ao que lhe respondo que, dentro das circunstâncias, lá vou indo. Faço-lhe a mesma pergunta e ele diz-me que está bem, mas tem muitas saudades. Respondo-lhe que também sofro do mesmo e ele pergunta: oh furriel então  quanto tempo tem de Guiné? Eu, pensei lá para com os meus botões, lá vem este gajo dar baile, mas lá lhe disse, meio envergonhado que tinha quase um mês. Ele surpreso disse: um mês.... Eu perguntei e você pá, quanto tempo tem? Ele corou e respondeu: oh furriel, eu tenho duas horas de Guiné. Bem! penso que na tropa nunca me senti tão importante. Eu um piriquito, tinha perante mim um ainda mais pira. Fiquei todo inchado com a minha velhice.
Neste mês de Agosto no Cumeré, tudo se passou. Vi trovoadas que nunca pensei que pudessem existir. Vi as nossas roupas ficarem todas encharcadas e passado algumas horas já estavam secas com um calor ofegante. Vi bebedeiras que eram de arrasar qualquer um. Vi mosquitos a chatearem a todo o momento, apesar dos célebres mosquiteiros (em Madina já não havia essa praga). Enfim lá se passou o nosso primeiro mês na Guiné.
Fiquem bem, um bem hajam
Monteiro ( manhiça )