quarta-feira, 12 de julho de 2023


 

Construir boas memórias







A nossa mente vai construindo, ao longo do tempo, memórias boas e más ou, se quisermos, positivas e negativas, da nossa vida. Há memórias que se mantêm durante muitos anos. Outras são apagadas e não fica rasto delas. 
Sem dúvida, é de relevar o papel que a memória tem na nossa saúde mental. As memórias recorrentes, involuntárias, intrusivas, perturbadoras fazem parte do quadro de sintomas da perturbação de stress pós-traumático. São memórias de vivências negativas que não nos deixam dormir, que não nos deixam viver a vida de forma activa, criativa, e que pelo seu peso perturbador exigem acompanhamento psicológico.
A emoção tem um papel crucial na construção das nossas memórias. A emoção não é o único factor que afecta a memória e não afecta apenas a memória. Mas face a um estado emocional intenso todo o sistema cognitivo (percepção, atenção, memória, raciocínio, linguagem e tomada de decisão) é afectado.

Ao relevarmos os efeitos negativos, esquecemo-nos da importância que as memórias positivas podem ter na nossa felicidade: como a memória, quando éramos pequenos, da comida feita pela avó, do cheiro das árvores da quinta, dos momentos especiais de convívio com os amigos...
É isso - as boas memórias - que faz juntar as pessoas em encontros periódicos. O encontro anual é um bom exercício de memória, como penso que são todos os encontros em que comemoramos o tempo de vida em comum, encontros de ex-militares, de ex-colegas de liceu....
Por isso, é tão importante (re)lembrar e reviver as boas memórias de tempos e espaços emocionais tão intensos, ao mesmo tempo que reforçamos a recordação dessas memórias.

Uma das boas memórias que todos sentimos passa pela música e pelo muito tempo que permanece connosco... Em Musicofilia (Oliver Sacks) vemos como mesmo quando aparecem doenças como a doença de Alzheimer, permanece a memória da música e somos capazes de a interpretar.
As memórias que mais perduram são as que estão ligadas a uma vivência emocional intensa e a música está relacionada com as emoções.

É também isso que faz juntar "Os Leões de Madina". Madina Mandinga, uma mensagem de paz e amor no meio da guerra, como atesta o Cancioneiro de Madina de que o hino da Companhia é o melhor exemplo: 
Nós somos Primavera 
Gostamos de cantar!
Nos somos juventude 
Nascemos para amar!
Nós queremos Amar
Toda a gente da terra!
Não queremos mais fome 
Não queremos mais guerra!

Boas memórias são a presença dos que se reencontraram em Tarouquela mas também a presença dos ausentes, dos lugares vazios: os que já não se sentam à mesa, os que não resistiram na caminhada, e também os que não se sabe onde estão ou nunca tiveram interesse em participar.
Como tive oportunidade de dizer, este foi um dia muito feliz para mim por ter reencontrado tanta gente boa, mesmo que esquecendo alguns dos seus nomes, que não de momentos inesquecíveis. Fui lá recordar memórias felizes e ver como as emoções tão intensas daquele tempo nos vincularam até aos 49 anos da comemoração. E, acreditem-me, interessam-me apenas essas boas memórias. Sim, o sofrimento, as separações, fizeram parte delas mas o tratamento humano que era regra naquela Companhia, relevam em relação a todos os episódios que cada um de nós tenha na sua memória mesmo que tenham sido apagados na memória dos outros. Foi um dia bonito e feliz e isso é que conta para a vida. 

Como me senti confortável com esta gente com quem partilhei aqueles momentos de 1973/74!  Como foi bom rever todos aqueles companheiros em quem sentíamos apoio e superação no esforço de todos os dias para sobrevivermos à guerra que nos roubava a juventude. 
E agora tantos anos depois, cada dia é mais uma prova de superação das dificuldades que uns vivem mais do que outros mas que também radicam lá no passado.
Como fiquei grato por me terem dado a honra, juntamente com o ex-alferes Baptista, de ter partido e partilhado o bolo de mais este aniversário!
Em 6/07/2023 - Castelo Branco
Carlos Teixeira

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